Rio Araguaia: O local de combate da guerrilha comunista

Explorando as cidades de Xambioá e de São Geraldo do Araguaia


Apesar de eu ter inserido no meu roteiro da Chapada das Mesas, o Rio Araguaia não faz parte do circuito. Decidi seguir até a área onde ocorreu a Guerrilha do Araguaia pela importância histórica e por estar localizada em uma região distante de quase todas as outras rotas turísticas, sendo que é relativamente perto da Chapada. A Guerrilha do Araguaia foi uma tentativa de ação revolucionária comunista que aconteceu entre 1967 e 1974 no Brasil e foi combatida e vencida pelas Forças Armadas brasileiras.


COMO CHEGAR?

Meu objetivo era chegar na cidade de Xambioá, na margem do Rio Araguaia do lado de Tocantins. Para isso, coloquei o carro na balsa e atravessei de Carolina (Maranhão) para Filadélfia (não é aquela dos EUA, mas a do Tocantins! 😜). A partir de Filadélfia, tentei seguir a rota mais curta indicada pelo Google Maps, mas ela me jogou numa estrada de terra. Como eu não sabia se toda a estrada seria transitável com carro de passeio, preferi deduzir uma rota mais certa: seguir até a cidade de Araguaína-TO (uma das maiores da região), depois passar por Wanderlândia e então continuar para Xambioá. O "plano B" deu certo pois as estradas deste caminho estavam muito bem conservadas e sinalizadas. O percurso foi de 250 km e durou 3 horas e 40 min. Veja a rota aqui no Google Maps.

Travessia do Maranhão para o Tocantins de balsa


Lugar mais seguro da balsa 😅


A estrada que passa por Araguaína é a melhor opção


XAMBIOÁ

Xambioá é uma pequena cidade com cerca de 10 mil habitantes que fica na divisa do Tocantins com o Pará. Seu nome é um termo indígena que significa "pássaro veloz". O município foi centro de um plano comunista para chegar ao poder no Brasil através de militantes vinculados ao PC do B (Partido Comunista do Brasil) que tentaram seguir a linha estratégica que foi adotada por Mao Tsé-Tung na China após a Segunda Guerra Mundial. O objetivo seria provocar uma “guerra popular prolongada” na região norte do Brasil e, a partir disso, investir em direção à capital, assim como foi feito no evento histórico conhecido como " A Grande Marcha" que culminou com a vitória comunista na China.

Chegada na distante cidade de Xambioá com seu Cristo Redentor


A guerrilha ocorreu na região do Rio Araguaia, divisa dos Estados de TO e PA


A guerrilha em sua maioria foi formada por militantes vindos da região sudeste, por isso foram apelidados de "paulistas" pela população local. Alguns destes militantes do PC do B, e de outras organizações como a Ação Popular, receberam treinamento militar em 1963 na Academia Militar de Pequim. Isso prova que, diferente do que alguns historiadores tentam argumentar, a ação desses grupos não era uma simples reação ao regime militar, que só foi instaurado em março de 1964. Na verdade, o que aconteceu foi o contrário: a assunção dos militares no governo foi uma forma de combater a implantação do regime comunista que já estava sendo preparada anos antes. 

Nos anos 70, Xambioá era uma região rural. Hoje cresceu e possui cerca de 10 mil habitantes


Vista das margens do Rio Araguaia através do drone


E por que foi escolhida a região do Rio Araguaia para a organização do movimento de guerrilha? Basta olhar para o mapa e veremos que é uma área estratégica, localizada entre as regiões norte, nordeste e centro-oeste do país e próxima à capital Brasília. Além disso, era um território com pouco controle do Estado e com uma população rural carente, de persuasão mais fácil utilizando-se a ideologia de luta de classes. Outro fato é que aquela região, perto do interior nordestino, é historicamente um lugar de nascimento de revoltas populares desde os tempos do Império.

A posição estratégica no coração do Brasil escolhida pela guerrilha não foi por acaso


Militantes do PC do B se infiltraram na cidade para buscar adesão popular


Apesar de saber das intenções de implantação da guerrilha comunista no Brasil, o Exército só descobriu a atuação de guerrilheiros naquela região no ano de 1972. Os dados e informações variam muito, mas o grupo seria composto inicialmente de 98 guerrilheiros (78 jovens militantes e 20 camponeses recrutados). O Exército realizou três operações ao longo de três anos de combate. Na primeira operação o Exército se deu mal e a primeira morte do conflito foi de um militar, um Cabo do Exército. O problema é que os guerrilheiros já atuavam há anos naquela região e conheciam bem a área. Nos próximos anos, os militares se organizaram e contaram com a ajuda do povo local, conseguindo então vencer o combate e acabar de vez com a guerrilha.

Vida simples na beira do Rio Araguaia


Hoje Xambioá é uma cidade pacata do interior


Vale lembrar que essa tentativa de implantação do regime comunista através da guerrilha não é um acontecimento isolado na América do Sul. Nos países vizinhos também houve essa tentativa (inclusive com a atuação de Che Guevara na Bolívia, onde acabou morto). Alguns países sulamericanos não tiveram o mesmo sucesso e o combate durou por vários anos e resultou em muitas mortes, como no caso da Argentina com os Montoneros (guerrilha urbana), no Peru com o Sendero Luminoso (realizou atentados terroristas até 2003) e na Colômbia com as FARC (guerrilha que existe até hoje). 

Igreja Matriz de Xambioá


Pernoitei na cidade para continuar a exploração no dia seguinte


SÃO GERALDO DO ARAGUAIA

Na manhã seguinte fui explorar o outro lado do rio, do lado paraense, onde está a cidade de São Geraldo do Araguaia. Ao contrário de Xambioá que era um povoado rural nos anos 70, São Geraldo já tinha um núcleo urbano e hoje é uma cidade maior. Meu objetivo era achar algo que guardasse a memória do combate com a guerrilha, para isso, atravessei como pedestre na balsa que liga as duas cidades. O valor da travessia foi de R$ 2 (dezembro/2019).

Balsa que faz a travessia de Xambioá para São Geraldo do Araguaia


Chegada no Estado do Pará


Nas minhas pesquisas sobre a cidade, descobri que havia uma casa que funcionou como o Museu da Guerrilha do Araguaia até 2007. O lugar guardava objetos que pertenceram aos guerrilheiros e documentos da época. Até aí tudo bem, mas agora vem o mistério: o motivo pelo qual o museu fechou seria que Eduardo Porto, o homem que cuidava do museu, alegou que estava sofrendo perseguição e conseguiu entrar num programa de proteção a testemunhas (Provita), não sendo mais visto. Em 2015, membros da Comissão da Verdade do Pará foram até o museu para recolher documentações e divulgaram que Eduardo Porto foi um agente de inteligência da Marinha na época do regime militar e que ainda monitorava a movimentação na região. A única informação que eu obtive é que o tal museu ficava na Avenida Duque de Caxias s/n. Usando o Google Maps, tentei achar a rua e chegar no museu.

A suposta Avenida Duque de Caxias segundo o Google Maps


Depois de percorrer a Avenida Duque de Caxias a pé naquele dia quente, encontrei uma placa que indicava que o seu nome era na verdade... Rua Tiradentes! Será que o Google Maps estava errado? Fui perguntando para os moradores onde estaria a Av. Duque de Caxias e eles falaram que acreditavam que era no centro da cidade. Fui até o centro e também não encontrei e ninguém sabia onde ficava. Desisti de procurar e passei pelo cemitério da cidade para ver se havia alguma referência de alguém que lutou no conflito e foi enterrado lá. Não tinha nada. Fui embora de São Geraldo frustrado e pensando porque a história teria sido apagada. Mais tarde, descobri mais uma notícia misteriosa: o Museu da Guerrilha do Araguaia foi destruído em um incêndio ocorrido em abril de 2017. E o mais estranho, o tal Eduardo Porto, que cuidava do museu no passado, foi preso acusado de tráfico de drogas! Não sei até onde essas informações são verídicas, mas parece que a história do passado ainda reflete naquela região.

Cemitério São João Batista em São Geraldo do Araguaia


A única coisa suspeita que encontrei foi o serviço de "serve serve" deste restaurante 😐😆


ALMOÇO EM XAMBIOÁ

Retornei para Xambioá e fui procurar um local para almoçar BBB (bom, bonito e barato!). Achei um restaurante na rua da igreja que tinha um quadro reverenciando Che Guevara, provavelmente de um simpatizante da guerrilha comunista. O restaurante, porém, estava fechado! Fui procurar outro restaurante que servisse PF (prato feito) e achei o Restaurante da Rudevan que fica perto da orla do rio. Era um restaurante bem simples que me serviu um PF de carne de sol bastante farto por apenas R$ 15! Comi bastante e estava pronto para me despedir daquela região. Uma curiosidade: ao contrário do "restaurante do Che" que estava fechado, este tinha adesivos com a mensagem "É melhor Jair se acostumando". Será que ainda existe polarização política em Xambioá?

Restaurante "comunista" na rua da igreja


Encontrei este restaurante simples mas que serve um prato cheio


Eu gosto assim, pagar pouco e comer muito!


Um restaurante popular que tem até Wi-Fi


RETORNO PARA IMPERATRIZ

Depois de conhecer de perto aquele lugar que guarda uma parte da história do Brasil que muitos querem que seja esquecida, peguei a estrada com destino à Imperatriz-MA que seria o local de embarque no avião de volta ao Rio de Janeiro, concluindo aquela viagem. Me desloquei por 288 km passando pela cidade de Estreito, o que durou 4 horas de estrada. Existe outro caminho mais curto que passa por estradas estaduais, mas eu não tinha certeza das condições.

Missão cumprida naquela região histórica do Brasil


MEU ROTEIRO


Próximo: IMPERATRIZ




Comentários

  1. Conheci esse museu. Tive o mesmo propósito que o seu, de achar alguma referência à guerrilha na cidade. Na época, 2007 ou 2008 não me recordo exatamente, me atendeu o entusiasta do museu, que era essa pessoa que vc mencionou. Era um homem de uns quarenta e poucos anos. Foi muito solícito e entusiasmado em mostrar os itens do acervo que eram basicamente textos de jornais e revistas sobre a guerrilha, estojos deflagrados de munições, fósseis e o que me chamou mais atenção: havia uma sucuri morta que ele tentava preservar dentro de um tonel de 100l azul cheio de álcool, que por sinal não estava dando certo pelo odor fétido que exalava.

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Sobre o autor

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Renan é carioca, mochileiro, historiador e arqueólogo. Gosta de viajar, fazer trilhas, academia, ler sobre a história do mundo e os mistérios da arqueologia, sempre comparando os lados opostos de cada teoria. Cada viagem que faz é fruto de muito planejamento e busca conhecer o máximo de lugares possíveis no curto período que tem disponível. Acredita que a história foi e continua sendo distorcida para beneficiar alguns grupos, e somente explorando a verdade oculta no passado é que se consegue montar o quebra-cabeça do mundo.