Argentina: Vivos - O Milagre dos Andes - Planejamento, dicas e custos

Informações úteis para ajudar no planejamento dessa aventura sem guia


Na sexta-feira 13(!) de outubro de 1972, um avião da Força Aérea Uruguaia transportando uma equipe de rugby caiu no meio da cordilheira dos Andes. Eram 5 tripulantes da Força Aérea e 40 passageiros e destes sobreviveram 27 pessoas. O tempo ruim e a neve dificultaram as buscas, fazendo com que fossem encerradas sem encontrar os sobreviventes. Para piorar, no 16° dia de sobrevivência, uma avalanche atingiu o avião matando mais 8 pessoas soterradas. Passando frio extremo sem roupas apropriadas e sem a possibilidade de sair daquele lugar, eles consumiram o pouco de comida que restava no avião. Ao terminar, tiveram que tomar uma decisão para sobreviver: comer a carne dos mortos! Foi assim que permaneceram vivos por 72 dias até o gelo começar a derreter e conseguirem caminhar até achar ajuda. Essa história fantástica foi retratada no filme Vivos (Alive, 1993) que me marcou quando assisti na infância. Há alguns anos, descobri que existiam agências de tour que ofereciam a possibilidade de chegar até o local do acidente, mas eu não achava nenhuma informação na internet para planejar uma viagem sozinho para lá.

O avião modelo Fairchild da Força Aérea Uruguaia caiu nos Andes em 1972


Dois anos se passaram e eu consegui reunir informações para tentar chegar lá por conta própria! Nas minhas pesquisas eu não achei nenhum post na internet detalhando como fazer a trilha sem agência, este é o primeiro. Provavelmente isso mudará dentro de alguns anos, talvez até o esquema de acesso à área e permissão mude, mas vou ajudar quem também considera essa história sensacional e sonha em chegar naquele lugar histórico e de superação humana cujo evento ficou conhecido como O Milagre dos Andes. Deixei tudo registrado nos destaques do Instagram @amochilaeomundo.


TRASLADO PARA MENDOZA

Chegar no início da trilha que fica nos Andes argentinos não é fácil. O meio mais simples, partindo do Brasil, é pegar um vôo para a cidade argentina de Mendoza que fica "nos pés" dos Andes. Cheguei no aeroporto de Mendoza às 9h30 da manhã do dia anterior ao início da caminhada. Peguei um táxi para a rodoviária para confirmar a passagem de ônibus para o povoado de El Sosneado que é a última civilização antes da trilha. Antes de embarcar, fui andando até o centro de Mendoza para cambiar dinheiro. As casas de câmbio se concentram próximas ao cruzamento da Av. San Martin com a General Espejo. Minha dica é conferir a Cambio Express (foto abaixo), na General Espejo nº 58, que possui uma excelente cotação para cambiar Real por Pesos (R$ 1 = AR$ 17, em fevereiro/2020).

Mendoza é conhecida por suas vinícolas, inclusive tem um chafariz de vinho no Peatonal Sarmiento


Cambio Express no centro de Mendoza é uma boa opção para trocar Real por Pesos



Outra dica é abastecer a mochila de comida para o trekking. Eu já saí do Brasil levando sanduíches de queijo com ovo cozido, biscoito de maisena, barrinhas de proteína e alguns doces, porém para quem deseja comprar tudo na Argentina, existe um mercadinho na rua dos fundos do terminal de buses.

Mercadinho na rua de trás da rodoviária


Muitas dessas dicas de Mendoza eu aprendi em uma viagem anterior quando passei pela cidade antes de ir para o Parque Provincial Aconcagua (2017). Se quiser mais informações sobre Mendoza ou Aconcágua, dê uma conferida no post Aconcágua: Dicas e custos para fazer o trekking até seu Campo Base.


COMO CHEGAR EM EL SOSNEADO?

Para chegar no povoado de El Sosneado a partir de Mendoza a opção é o ônibus da empresa CATA Internacional que sai da Estación Terminal Mendoza, também conhecido como Terminal del Sol. A viagem dura aproximadamente 6 horas e os horários de partida eram 6h30 (chegando às 12h30); 12h30 (chegando às 18h10) e 18h30 (chegando às 00h10).

Embarquei no bus das 12h30 de Mendoza para El Sosneado


Outra opção de transporte é uma van da empresa Viento Sur que vai para a cidade de Malargue (perto de El Sosneado), conforme o cartaz abaixo. Uma terceira opção seria pegar um vôo do Brasil com destino à cidade de San Rafael que fica a apenas 2 horas de El Sosneado. Os vôos para San Rafael costumam ser mais caros do que para Mendoza. De San Rafael também tem ônibus para El Sosneado saindo às 10h00 (chegando às 12h10); às 13h00 (chegando às 14h50) e às 16h00 (chegando às 18h10).

Observei essa van saindo no Terminal de Mendoza



San Rafael é uma cidade bem desenvolvida na rota entre Mendoza e El Sosneado


São 6 horas de ônibus até El Sosneado, uma região pouco habitada próxima aos Andes


OBTENÇÃO DO PERMISO

O local onde ocorreu o "Milagre dos Andes" pertence à empresa Las Leñas, um resort de ski sediado em Malargue. Por ser uma área isolada, não havia controle há alguns anos atrás, porém com a popularização do trekking através das agências, a empresa agora cobra um valor para a permissão de ingresso na área conhecida como Vale das Lágrimas. Para obter o "permiso" é necessário ir até o Parador El Chacallal ou "Parador El Sosneado" na Ruta 40, no povoado de El Sosneado. No lugar funciona um restaurante e loja de conveniência na beira da estrada, como se fosse um posto Graal do fim do mundo! 😆. Existem duas possíveis paradas em El Sosneado para o ônibus que vem de Mendoza: a primeira no "parador" da escola (desembarcar neste, que fica a apenas 50 m do local do permiso) e no posto de gasolina (mais a frente e distante).

Desembarquei no "parador" em frente a uma escola e segui andando até o local do permiso


Parador El Chacallal, também conhecido como parador El Sosneado


Eu tinha duas missões em El Sosneado: uma era obter o permiso e a outra era conseguir um transporte para o início da trilha. Entrei no parador El Chacallal e falei no balcão que pretendia ir para o "Vale de las Lagrimas". Fui muito bem recebido pelo senhor que pareceu ser o dono do estabelecimento. Ele me explicou que o "permiso de ingreso" custava 3.000 pesos argentinos por pessoa e que era necessário preencher um termo de responsabilidade pelo acesso. O texto do termo deixa claro que aquela área não tem nenhuma estrutura de apoio e nem facilidade de resgate em caso de acidentes. Depois de pagar o permiso, uma cópia do termo ficou comigo para apresentar no Acampamento Barroso que fica na área privada.

Termo de responsabilidade pelo acesso ao Vale das Lágrimas


Lista para preencher com o nome do grupo, se for o caso


 COMO CHEGAR NA TRILHA?

Essa era a parte mais incerta da minha missão de chegar no local do acidente aéreo. A partir de El Sosneado, é necessário deslocar por uma estrada de terra de 60 km até o ponto do Rio Atuel onde se inicia o trekking. Não existe transporte regular até lá, sendo que minha única opção seria tentar uma carona. Existe um fluxo de carros até aquele local pois lá está um hotel abandonado famoso chamado Hotel Termas El Sosneado que possui uma piscina termal e costuma ser destino de pessoas que acampam por lá. O dono do estabelecimento me explicou que era fim de tarde e não haveria veículo indo para aquela região. Me convidou a acampar nos fundos do terreno do parador e pela manhã ele tentaria algum veículo para me levar até lá. 

Os veículos que vão até o Hotel Termas são 4x4 para aguentar o tranco da estrada ruim


PERNOITE

Acampei de graça no terreno atrás do estabelecimento e aproveitei para fazer minha última refeição decente pela noite. El Sosneado é um povoado bem pequeno e o parador é como o shopping da cidade, sempre bem frequentado. Jantei uma milanesa com papas por 380 pesos e fui descansar para começar a aventura no dia seguinte.

Montei a minha barraca nos fundos do parador sem pagar nada por isso


Durante a noite, jantei um prato de milanesa de carne com batatas


8 DICAS ÚTEIS PARA PLANEJAR O TREKKING

1) VISTO E PASSAPORTE - Brasileiros não precisam de visto para viagem a turismo na Argentina, na verdade, nem de passaporte precisam. Basta levar a carteira de identidade (RG). A CNH não vale para esta regra!

2) CÂMBIO - Uma regra recente imposta pelo novo governo argentino é que somente cidadãos argentinos podem cambiar pesos para outra moeda, ou seja, se você trocar reais ou dólares por pesos durante sua estadia na Argentina e sobrar, não vai conseguir trocar de volta no aeroporto. A solução é pedir para um argentino cambiar ou recorrer ao câmbio negro. Como eu não sabia, e levei o dinheiro para trocar no aeroporto, acabei voltando para o Brasil cheio de pesos e tive que trocar por reais no aeroporto de Guarulhos (com uma cotação bem ruim).

Câmbio do aeroporto de Mendoza em fevereiro de 2020


3) MELHOR ÉPOCA - O local onde ocorreu o acidente aéreo fica em uma região bem isolada. Sendo assim, a trilha até lá só é acessível nos meses de janeiro, fevereiro até meados de março quando o gelo derrete.

4) EQUIPAMENTO - Para fazer o trekking não é necessário levar equipamento de escalada. Para dormir, deve-se levar barraca, isolante térmico e saco de dormir. Trouxe comigo um conjunto de segunda pele (camisa e calça), um fleece, um casaco, touca ou balaclava, par de luvas, par de botas de trekking Gore-tex, mochila cargueira 70 litros, óculos escuros, 3 cuecas, 1 par de meias, 3 camisas, chapéu, protetor solar, toalha de ciclista, escovinha de limpeza, kit de higiene, kit de medicamento, pasta para documentos (guardar a permissão e o planejamento), barras de proteína, talheres de plástico, filtro de água portátil, GPS, saco para roupa suja, lanterna, 2 power bank, carregadores, câmeras, drone e assessórios. Recomendo usar também uma máscara, pano ou bandana para proteger a respiração da poeira da trilha. Para essa viagem específica, levei meia de neoprene para atravessar os rios, mas o ideal seria uma sapatilha de mergulho. Outro item que não levei, mas seria útil (tanto que usei emprestado para atravessar um rio), é o bastão de trekking. Neste caso, com bastão de trekking e a barraca com estacas, será necessário despachar a mochila para o vôo.

Meia de neoprene e bermuda de lycra para a travessia dos rios de degelo


5) ALTITUDE - O trekking até o avião tem uma altitude moderada, partindo de 2.400 metros no Rio Atuel, para uma altitude de 3.600 no local onde o avião caiu. Normalmente, o corpo começa a sentir os efeitos da altitude apenas a partir dos 3.000 metros devido à saturação mais baixa do oxigênio no ar. O efeito nessa altitude normalmente é brando, como a dor de cabeça e o enjôo. Isso pode acontecer devida à ascensão rápida, mas varia de acordo com o metabolismo individual.


6) ORIENTAÇÃO - A trilha não é sinalizada, mas na maioria dos trechos é bem nítida. Poucas partes deixam com alguma dúvida, dentre eles o ponto de travessia nos rios. Neste caso eu observava onde as excursões atravessavam. Também baixei o tracklog da trilha no site Wikiloc (veja no link) e usei no meu GPS Garmin modelo 62st quando tinha alguma dúvida.

A trilha costuma ser bem marcada apesar do terreno estar sempre se transformando com avalanches


7) LIXO: A região é um lugar rústico, não há lixeiras e nem serviço de coleta, ou seja, tenha consciência e não jogue lixo na trilha. Leve um saco para carregar seu lixo.


8) ÁGUA - O clima seco e a altitude exigem o consumo de água pelo corpo em uma escala maior que o normal. Não é problema se manter hidratado durante a caminhada pois existem vários cursos de água criados pelo degelo, logo, não precisei carregar peso levando garrafas de água, apenas uma squeeze de 500 ml e um filtro portátil SAWYER, e ficava abastecendo pelo caminho. Um cuidado que se deve ter é levar algum eletrolítico ou suco para diluir pois a água de degelo é deficiente em minerais.

Bebendo água de degelo na minha squeeze e filtro portátil


TREKKING

O relato detalhado do trekking até o avião uruguaio está no post Vivos - O Milagre dos Andes - 3 dias de trekking sem guia.



VEJA O VÍDEO

Assista as imagens dessa aventura no YouTube e aproveite para se inscrever no canal e deixar seu like 👍!



CUSTOS (fevereiro/2020)

Abaixo, a minha lista de gastos durante a viagem na ordem dos acontecimentos:

- Vôo da LATAM (ida e volta) - R$ 3.186,52
- Despacho da mochila - R$ 63,20
- Remis - 350 pesos
- Ônibus TACA (Mendoza x El Sosneado) - R$ 40 (compra online)
- Mercadinho - 355 pesos
- Permissão de ingresso ao Vale das Lágrimas - 3.000 pesos
- Jantar - 380 pesos
- Transporte 4x4 ao início da trilha - 1.500 pesos
- Ônibus p/ São Rafael - 205 pesos
- Ônibus p/ Mendoza - 270 pesos
- Subway do Terminal (jantar) - 250 pesos
- Subway do Terminal (café da manhã) - 245 pesos
- Táxi p/ aeroporto - 310 pesos
- Churrasquito (almoço) - 450 pesos


MEU ROTEIRO

Roteiro completo: VIVOS - O MILAGRE DOS ANDES

Próximo: TREKKING DETALHADO




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Sobre o autor

Sobre o autor
Renan é carioca, mochileiro, historiador e arqueólogo. Gosta de viajar, fazer trilhas, academia, ler sobre a história do mundo e os mistérios da arqueologia, sempre comparando os lados opostos de cada teoria. Cada viagem que faz é fruto de muito planejamento e busca conhecer o máximo de lugares possíveis no curto período que tem disponível. Acredita que a história foi e continua sendo distorcida para beneficiar alguns grupos, e somente explorando a verdade oculta no passado é que se consegue montar o quebra-cabeça do mundo.