Egito: Kom Ombo, o templo medicinal

O templo de culto ao crocodilo


Para chegar no pequeno povoado de Kom Ombo, meu planejamento inicial seria embarcar num trem regional com aquele destino. Saindo de Aswan, a terceira estação é a de Kom Ombo. Ao chegar de trem, eu ainda teria que arrumar um jeito de chegar na área das ruínas que ficam a 5 Km da estação.

Fui caminhando até a estação de trem de Aswan para tentar embarcar. Existe uma norma no Egito de que as agências só podem vender o bilhete do Sleeping Train para estrangeiros, porém eu ouvi falar em alguns fóruns de viagem que para burlar isso era só entrar num trem regional e pagar lá dentro.

Havia um trem previsto para às 9h30, mas quando cheguei na estação um funcionário da entrada das plataformas disse que o trem sairia às 13h00! Esse horário seria impraticável pra mim pois eu pretendia seguir para Edfu no mesmo dia. O interessante é que o guichê da bilheteria dos trens regionais estava tumultuada de gente na frente. Detalhe: diferente das demais, esta não possui vidros e sim chapas de metal! Será que já deu confusão com os constantes atrasos e cancelamentos?


COMO ESCOLHER UM TÁXI NO EGITO

Para conseguir cumprir a missão de chegar em Kom Ombo eu teria então que contratar um táxi. O custo do táxi no Egito é bem barato e meu objetivo era combinar uma corrida para Kom Ombo e Edfu no mesmo dia. Seriam cerca de 250 Km percorridos pelo interior do Egito e, além do preço, eu precisava achar alguém de confiança para não ser assaltado no caminho.

Placa na estrada indicando o caminho para Kom Ombo e Edfu


Logo ao sair da estação ferroviária, vários taxistas começaram a me perturbar como fazem com qualquer estrangeiro. Perguntei quanto ele cobrava para fazer ida e volta para Edfu, passando por Kom Ombo no caminho. Ele me respondeu 400 EGP (cerca de R$ 120). Assim como qualquer negócio no Egito, esse era o preço inicial a ser negociado, mas só perguntei para ter uma noção pois não confio em taxista de porta de rodoviária e, muito menos, naqueles que enchem o saco.

Me distanciei da saída da estação e fui para a praça em frente observar. Percebi um taxista mais velho, de roupas ocidentais (a maioria usa batas árabes), limpando seu carro (demonstrava zelo), táxi em perfeitas condições e sem perturbar ninguém. Fui até ele negociar a corrida e fechamos por 250 EGP o transporte. Vale como dica para escolher um táxi no Egito.


PARTINDO PARA KOM OMBO

Existe uma estrada que segue o Rio Nilo até o Cairo, passando por diversas cidades agrícolas.  Uma dessas é a cidade de Kom Ombo ao norte de Aswan. Teoricamente, todo deslocamento de turistas nessas estradas deve ser feito em comboio, com carros de agências de turismo, mas não era meu caso.

Viajar de carro passando pelas cidades à beira do Nilo foi uma grande experiência, algo que não se vê nos cruzeiros pelo rio que ligam Aswan a Luxor, passando por alguns templos no caminho. Na estrada é possível observar a vida real do povo de interior do Egito e não aquele "Egito para turista ver".

Transporte de camelos e... um caroneiro?


Os camelos ainda posaram para fotos


Depois de percorrer os quase 50 Km de distância, o táxi finalmente chegou na pequena Kom Ombo. Apesar de possuir cerca de 60 mil habitantes, a maioria descendente de núbios, a cidade é bem rural. Foi também colônia grega no período greco-romano. 

Kom Ombo foi batizada de Nwbt pelos antigos egípcios


Outra opção para chegar em Kom Ombo é através de ônibus. O primeiro desafio é chegar no terminal de Aswan, peça para um táxi te deixar la. O segundo é conseguir comprar a passagem. Depois de embarcado, peça para o motorista te deixar no mercado de Kom Ombo à beira da estrada, perto do templo. De lá se pode pegar um táxi (7 EGP) ou mesmo um tuk tuk (aquele veículo com 3 rodas) para "maabd Kom Ombo". Com certeza vai sair mais barato que o táxi de Aswan, mas requer tempo pois é possível acontecer vários imprevistos. Outra dificuldade será a comunicação.


O TEMPLO DE KOM OMBO

A principal atração desta pequena cidade na margem oriental do Nilo é o Templo de Kom Ombo datado de 2 a.C. Ele fica afastado do centro da cidade e seu acesso é bem antes quando se chega de Aswan. Existe um pequeno centro de visitantes com lojas de artesanato, banheiros e estacionamento. Tudo bem deserto.

Centro de visitantes do templo


A palavra "Kom" vem do árabe e significa "escombro", provavelmente pela situação que o antigo templo se encontrava desde a antiguidade até ser reformado. Já a palavra "Ombo" é uma derivação grega da palavra "Nwbt" que significa "ouro", esse era o nome original da cidade provavelmente por estar localizada na rota do ouro que seguia da Núbia para o norte do Nilo. Outra versão para ter seu nome relacionada ao ouro é uma antiga lenda mitológica.

O templo ainda em escombros no século 19 (foto da internet)


Parte das colunas que restaram na entrada do templo


Ruínas do interior do templo


Placa de identificação do templo colocada após a reforma 


Kom Ombo tem uma característica diferente por ser um templo duplo. Parte dele é dedicado ao deus Hórus e parte dele dedicado ao deus Sobek. É dessa forma por se acreditar que este foi o local de acontecimento do mito que envolve os dois deuses. 

Este templo incomum é duplo, ou seja, de culto a dois deuses


Colunas em formato de flores no estilo egípcio


A LENDA MITOLÓGICA

A lenda chamada Hór-wer e sobek-Rá conta que essa região foi regida pelo bom rei Hórus, amado pelo povo e invejado pelo irmão Sobek. Foi criada uma conspiração por Sobek para expulsar Horus do trono. O rei deposto foi exilado da cidade juntamente com grande parte do povo que o apoiava e que o seguiu. Sobek se tornou o rei absoluto com uma parte dos cidadãos e com os seus cúmplices. Não havia gente o bastante para cultivar a terra, então Sobek fez um pacto com demônios para que estes realizassem as tarefas agrícolas. Os demônios lançaram as sementes e, na época da colheta, em vez de trigo cresceu cereais de ouro.  Como o ser humano não come ouro houve um surto de fome na cidade. Sobek então viajou em busca do seu irmão e se reconciliou. Hórus regressou com a maior parte do povo e a prosperidade voltou ao reino. Os dois irmãos partilharam o trono em paz.

Como todos os templos do Egito antigo, as paredes são grandes páginas de livros


Sobek é representado como um crocodilo. Acredita-se que a força e agilidade desse animal representava o poder do faraó. Uma curiosidade é que a palavra "soberano", que é escrita com o hieróglifo de um crocodilo, provavelmente derivou do nome daquele deus. Foi dada grande importância para Sobek principalmente nas dinastias XII e XIII com a crença de que ele poderia proteger o rei da magia negra. Várias múmias de crocodilos foram encontradas.

Esta parede do tempo mostra a figura de um crocodilo sobre o altar


O templo Kom Ombo tem o seu lado esquerdo (norte) dedicado a Hórus e o seu lado direito (sul) dedicado a Sobek. Cada lado tinha sua própria entrada, capelas e sacerdotes. O interessante é perceber que esses deuses estão acompanhados de outros deuses nas figuras, cada qual formando uma trindade.

Trindade de Sobek: Khonsu, Hathor e Sobek


Hórus na concepção teológica do templo é conhecido pelo nome grego Haroéris (ou Hórus, O Velho). Na complexa mitologia egípcia, a interpretação para esse aspecto de Hórus é que, Ísis e Osíris, antes mesmo de nascerem e enamorados um do outro, uniram-se dentro do ventre de Nut e dessa união nasceu Haroéris. Assim, esse deus seria filho de Ísis, nascido dentro do ventre de Nut a qual deu-lhe à luz pela segunda vez. Desta maneira, Haroéris é filho de Nut e, portanto, irmão de Ísis e Osíris, ao mesmo tempo em que é filho de Ísis e Osíris.


Trindade de Hórus: Panebtawy, Tesentefert e Hórus 


O NILÔMETRO

O nilômetro é um poço de largo com uma escada que desce até ao nível do lençol freático para permitir a medição das flutuações do nível da água do rio Nilo. Eles ficavam localizados próximos de grandes templos e a superstição dizia que os sacerdotes podiam ter visões a respeito de possíveis inundações nas margens do rio. Na verdade, este instrumento físico de medição foi criado para ajudar a determinar a intensidade da inundação anual e esta informação era usada para o cálculo do  valor dos impostos daquele ano. 

O nilômetro de Kom Ombo é um dos mais conservados do Egito


Escada em espiral para permitir as medições no fundo do poço


Os mais famosos encontram-se em Kom Ombo, Assuã, na Ilha Elefantina e no Cairo. Apesar da estrutura bem conservada, percebi que não existe um cuidado por parte da administração do local. Existe muito lixo jogado lá dentro.

A água verde do poço e o lixo jogado no fundo do nilômetro



SIMBOLOGIAS E MISTÉRIOS

Como todos os templos do Egito Antigo, nas suas paredes estão gravadas simbologias que geram polêmicas no mundo da egiptologia. O estudo acadêmico conflita com teorias alternativas, principalmente quando comparamos com outras culturas espalhadas pelo mundo com detalhes semelhantes. Por isso, nas minhas viagens, procuro detalhes interessantes que fogem às vistas desatentas para poder criar discussão a respeito.

Um relevo interessante é este abaixo. Ele mostra 5 pássaros mergulhando e, abaixo, um boi (seria Ápis?) com 6 flores de papiro abertas e 5 flores de papiro fechadas. É evidente que existe uma simbologia escondida nessa figura.

5 aves mergulhando e um boi levando flores


Em algumas colunas vemos cobras najas (abaixo). Algumas com a coroa vermelha do Baixo Nilo (a menor, chamada Desheret, com um fio espiral). Outras com uma coroa chamada Atef, com três pontas arredondadas. Outro detalhe é que se encontram sobre o disco solar. A cobra apontada para o ataque é chamada Uraeus na mitologia egípcia.

Simbolismos com serpentes são comuns em todo o mundo e normalmente representam um elemento de sabedoria, que traz o conhecimento oculto, traz a cura. Pode representar o sacerdote de determinado culto.  

Serpentes sobre o disco solar


Abaixo está uma técnica antiga de junção de blocos. São feitas depressões ocupadas por grampos metálicos para mantê-las unidas. A curiosidade é que esta técnica também era usada para a construção dos templos pré-colombianos, como da civilização de Tiahuanaco na Bolívia. Alguma ligação ou coincidência?

Detalhe dos encaixes nas pedras. Técnicas semelhantes àquelas encontradas na América do Sul 


Foto tirada em Tiahuanaco, Bolívia


Como eu não poderia falar de mistérios sem deixar de lembrar os OVNIS, estes hieróglifos se tornam bem interessantes quando vistos por essa ótica. No centro da imagem está um ser humanoide bem diferente dos outros personagens mitológicos. Ele se encontra de joelhos levantando algo nas mãos e na sua frente está um objeto de cinco pontas (seria uma flor ou seria uma estrela?). 

Humanoide de joelhos com um objeto de cinco pontas  


OS VIGIAS DO TEMPLO TRAZEM MAIS MISTÉRIOS

Uma coisa comum é a maneira com que os vigias dos templos fazem para ganhar uns trocados em cima dos turistas. Eles ficam sentados pelo chão do templo e, quando um turista se aproxima, lá vem ele dar informações não solicitadas e depois cobrar o serviço de guia com gorjetas. Se não der eles ficam xingando. 

Como ainda era um dos primeiros templos que eu estava visitando, acabei dando confiança e dois vigias egípcios grudaram no meu pé. Por falar em pé, eles me mostraram um detalhe que eu não havia percebido: pés gravados no piso do templo. Seriam rituais?

Marca de pés humanos gravados no piso de pedra


Outro detalhe interessante é a pintura na entrada da capela de Sobek. As pinturas estão restauradas. No canto, um orifício de onde já existiu uma porta aparentemente.

Pintura no teto. Acima um buraco de encaixe para uma porta?


Eles me levaram nas capelas ao fundo do templo. Eu havia passado por lá e elas estavam fechadas com portas de grade. Um dos vigias possuía a chave e abriu. Lá dentro era um local procurado por pessoas doentes em busca de cura no passado. Foi então que ele me apontou um desenho na parede e explicou com gestos que o personagem segurava um estetoscópio (!).

Suposto estetoscópio antigo


Minha crença "desconfiada" de mistérios me fez começar a pesquisar sobre o suposto estetoscópio. Poderia ser um adorno, um colar... Foi então que descobri que existem outras provas no templo de Kom Ombo que sugerem o registro de instrumentos médicos antigos. 

Mulheres grávidas em cadeiras de parto e instrumentos médicos antigos (foto internet)


Sugestões de instrumentos do relevo do templo


Mulher dando a luz (foto internet)


Relevo conhecido como Olho Medicinal de Hórus (foto internet)


Apesar de ter ajudado a observar detalhes diferentes, a presença desses guias oportunistas me incomodava, logo dei 5 EGP para cada um e me afastei.


PARTINDO PARA O PRÓXIMO DESTINO

Voltei para o táxi que me esperava para seguir para Edfu, local do Templo de Hórus. Ao sair do templo algumas crianças me viram e acenaram. Acabei acenando de volta, me ferrei! Fui dar confiança e elas vieram até mim e me encheram o saco para comprar algumas pulseiras. Uma delas, um garoto chamado Mustafa, tentou uma técnica de malandragem que os egípcios usam, tentou colocar a pulseira no meu ombro para eu pegar e ele se recusaria a receber de volta. As pessoas assim acabam pagando ou, se não pagar, ele chama a polícia e acusa de roubo. Eu como já sabia, nem peguei, deixei a pulseira cair e continuei andando para o táxi. No final o garoto se despediu amistosamente.


MAPA



GASTOS (agosto 2014)

Táxi para Kom Ombo/Edfu (ida + tempo de espera + volta) - 250 EGP
Entrada no templo: 40 EGP
Gorjeta: 10 EGP


MEU ROTEIRO

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Sobre o autor

Sobre o autor
Renan é carioca, mochileiro, historiador e arqueólogo. Gosta de viajar, fazer trilhas, academia, ler sobre a história do mundo e os mistérios da arqueologia, sempre comparando os lados opostos de cada teoria. Cada viagem que faz é fruto de muito planejamento e busca conhecer o máximo de lugares possíveis no curto período que tem disponível. Acredita que a história foi e continua sendo distorcida para beneficiar alguns grupos, e somente explorando a verdade oculta no passado é que se consegue montar o quebra-cabeça do mundo.