Egito: Aswan, a cidade da antiga Núbia

No sul do Egito ainda vive a antiga terra da Núbia

Depois de conseguir embarcar na tumultuada estação do Cairo (Railway Station), o trem saiu com uns 20 min de atraso com destino à cidade de Aswan, há 950 km ao sul da capital. A previsão era de mais de 13 horas de viagem. Uma maneira confortável, mas um pouco cara de se fazer essa viagem, é o Sleeping Train.


AO SUL DO NILO NO TREM NOTURNO

Andar de trem no Egito não chega a ser complicado, mas está longe de ser como na Europa. Comprei com um mês de antecedência a passagem pela internet do Sleeping Train do Cairo para Aswan. Comprar antes não vai baratear o valor, mas vai garantir a vaga. Os valores são: Trecho Cairo-Aswan ou Cairo-Luxor (ou vice-versa) = U$ 120 (cabine individual) ou U$ 100 (cabine dupla por pessoa).

Os assentos se transformam em leitos para passar a noite. Outra facilidade para quem viaja em família é que cada 2 cabines possuem uma porta de ligação que, se for aberta, cria um ambiente para 4 pessoas. Possui ainda tomada e ar condicionado. O banheiro é coletivo e existem dois por vagão. O trem ainda possui um vagão lounge para quem quiser beber algo.

O título de primeira classe parece exagero. Cheguei a ouvir reclamações de que essa seria a pior primeira classe do mundo, mas o trem permite o conforto necessário para recarregar as baterias depois de 3 dias viajando sem ter dormido numa cama.

Vista da porta de entrada da cabine (com espelho) a partir da cama e, em cima, porta bagagem


Pequena pia com água para higiene pessoal


Algo que levantou a moral foram as refeições. A passagem dá direito ao jantar e café da manhã, todos servidos dentro da cabine pelos funcionários do trem. O jantar foi meio frango assado, arroz, legumes e homus com um doce de sobremesa. Não tem bebida. Já o café foi servido umas 09h00 da manhã, com bastante pão, doces e salgados. Cheguei até a guardar uma reserva para possíveis imprevistos.

Jantar servido dentro da cabine: Frango assado com arroz e homus


Assim que amanheceu, fiquei deitado observando a paisagem pela janela. dessa forma se pode ter uma ideia da vida no interior do Egito e de toda a sua pobreza. Depois de Luxor, o trem pára em cada cidadezinha até chegar em Aswan.

Pobreza das cidades de interior ao longo da ferrovia


Mesquita de uma cidade qualquer através da janela do trem


CHEGADA EM ASWAN

Ao chegar na discreta estação de Aswan, passei direto pelos vendedores e taxistas e segui andando por 2,6 km até o Hotel Old Cataract, no qual eu me hospedei. Esse é um dos hotés mais luxuosos de Aswan que reservei através de milhas na baixa temporada. O motivo de querer ficar lá é pela história do hotel que foi o lugar que serviu de inspiração à Agatha Christie para escrever Morte sobre o Nilo. Por ser um ponto turístico da cidade, falarei com mais detalhes em outra postagem.

Aswan fica onde estava situada a antiga terra da Núbia. Essa foi a primeira grande civilização negra das história e coexistiu com os egípcios antigos.

Chegada na estação de Aswan


Segui andando pela orla até chegar no hotel. Aswan é um dos lugares mais quentes e secos do Egito e caminhar com uma mochila nas costas é algo desgastante, porém necessário para se misturar com o povo das ruas e conhecer a realidade.

Somente na região em frente à estação de trem, na avenida que corta a margem do Nilo e ainda na avenida que passa pelo cemitério, é que existem construções mais modernas (se é que se pode chamar assim). No interior da cidade faltam recursos básicos urbanos e tudo parece uma favela. Apesar de não ser uma cidade violenta em criminalidade, a ameaça terrorista dos radicais islâmicos é uma possibilidade em Aswan. 

Movimento da avenida principal do corniche (porto)


Por trás das avenidas, a maioria das casas em Aswan lembram favelas


Nas ruas estão posicionados carros blindados em prevenção a atos terroristas


Desde 2011, o número de turistas diminuiu no Egito por medo de atentados. As cidades que ainda recebem uma quantidade razoável de estrangeiros são Cairo, Luxor e os balneários do Mar Vermelho. Aswan é um destino pouco visitado, sendo referência turística apenas como base para se chegar no templo de Abu Simbel, uma obra prima do Faraó Ramsés II.

Assim como as demais cidades no Egito, as ruas de Aswan lotam de gente a partir da 09h00 até as 14h00, depois fica totalmente deserta até cair a noite. De 19h00 às 22h00 é outro período de pico de comércio. O motivo é fugir do grande calor ocasionado pelo sol da tarde.

Quase não se encontram turistas nas ruas de Aswan 


Em frente ao Rio Nilo existe um calçadão com pouca sombra e muito sol a tarde


A GRANDE REPRESA 

No mesmo dia em que cheguei em Aswan, deixei minha mochila no hotel e já parti para explorar os arredores. Ainda sem prática para negociação com os egípcios, acabei fechando com um taxista o valor de 150 EGP (R$ 50) para transporte até o local do Templo de Isis (Philae), me esperar no local e depois me levar para a Represa Alta de Aswan. Apesar de parecer um preço razoável, paguei caro para o custo de vida egípcio.

A exploração no Templo de Isis explicarei aqui. Depois de lá, o taxista núbio (como ele fez questão de enfatizar) partiu para a margem oeste do Nilo. Em várias oportunidades da viagem ele explicava com orgulho a diferença dos núbios para os árabes, demonstrando que existe uma certa disputa até hoje.

Combinei com um taxista núbio o transporte pelos pontos ao sul de Aswan


Passei pela estrada sobre a Represa Aswan Baixa para atravessar ao lado oeste. Essa barragem foi a primeira grande tentativa de se represar a água do Nilo para controlar as enchentes e foi executada pelos britânicos entre 1899 a 1902. A represa inicialmente foi construída com 54 m de altura e 1,9 km de comprimento. Não foi o suficiente para conter o Nilo! Mais duas ampliações foram realizadas, porém, em 1946 a represa quase se rompeu. Chegou-se a conclusão de que a construção de outra represa à 6 Km acima do Nilo seria necessária para conter a força das águas.
  
Estrada que atravessa sobre a represa antiga


É só se afastar um pouco do Nilo e o deserto já começa a tomar conta da paisagem 


Pouco tempo depois já chegávamos na Represa Aswan Alta. Existe uma bilheteria na entrada e o ticket para estrangeiros custava 30 EGP (R$ 10). No meio da estrada sobre esta barragem existe uma placa de boas vindas, um mapa da represa e o resto é um grande mirante para se admirar a paisagem.

No centro da barragem se encontra um ponto de parada para visitantes


High Dam (represa alta)


Placa explicativa do local em que se encontra Aswan Alta


Em 1952, EUA e o Reino Unido fizeram planos para financiar a construção de Aswan Alta, porém, com a queda da monarquia em 1953 e tendo assumido o governo do país o político Gamal Abdel Nasser, do Partido Socialista Árabe, o financiamento de 270 milhões foi cancelado. Nasser então nacionalizou o Canal de Suez, construído em conjunto com a França, alegando que era para adquirir fundos para a construção de Aswan Alta. Isso gerou a Guerra de Suez em que o Egito foi derrotado por uma expedição de franceses, britânicos e israelenses. 

Em 1958, a União Soviética ajudou na construção da represa com 1/3 dos recursos, maquinário e pessoal especializado. O lago artificial que se formou com a construção da represa foi batizado de Lago Nasser.

Aswan Alta tem 3.600 m de extensão no topo, 980 m de extensão na base e 111 m de altura


A UNESCO organizou uma grande operação nos anos 60 para salvar as ruínas que seriam alagadas


Monumento Árabe-Soviético da Amizade em homenagem à ajuda da URSS 


O ALTO NILO E AS FELUCCAS


É impossível andar pela orla de Aswan sem ouvir alguém gritar: Felucca! Felucca! Felucca!

A Felucca nada mais é do que um barco à vela regional que já foi muito utilizado em mares como o Mediterrâneo e Vermelho, porém se tornaram obsoletos com a chegada dos barcos a motor. A Felucca, porém é preferível nessa região por ser ecológica e silenciosa.

Além dos passeios pelo Nilo, as feluccas podem seu utilizadas para atravessar para algumas atrações turísticas como: Ilha Elefantina e Museu de Aswan, Jardim Botânico, Túmulo dos Nobres e Mosteiro de São Simão.

A Ilha Elefantina fica no meio do Rio e é repleta de ruínas arqueológicas


O Pôr-do-Sol pode ser admirado de dentro de uma Felucca




Outra atração é o Restaurante Ad-Dakka que só tem acesso através do Rio Nilo e funciona a noite. O jardim é todo iluminado e a vista é o rio iluminado pela cidade. Apesar de eu não ter ido, consegui ver (e ouvir) de longe o show acontecendo. O restaurante possui um ferry grátis para transportar seus clientes.

O restaurante Ad-Dakka 


CATEDRAL COPTA DE SÃO MIGUEL ARCANJO

Quase em frente ao Hotel Old Cataract está a grande Catedral de São Miguel Arcanjo. Esta igreja cristã se destaca na região predominantemente islâmica.

Diferente do que conhecemos no Brasil, os cristãos do Egito não são católicos e sim coptas. Essa palavra era originalmente usada pelos árabes para denominar os egípcios em geral, porém com o passar dos anos, a grande massa se converteu ao islamismo, deixando a palavra unicamente para definir os cristãos egípcios.

A religião copta é representada em Aswan nessa imensa catedral


À noite, ao sair para comprar água, observei que a catedral se encontrava aberta. Era o meu primeiro contato com a religião copta e resolvi entrar conhecer. Do lado de fora algumas lojinhas vendem objetos cristãos, porém nenhum vendedor perturba o cliente como na maioria das lojas egípcias. 

Quem vê pela primeira vez o interior da igreja percebe uma mistura de cristianismo com o estilo árabe, adquirido ao longo dos anos, principalmente no estilo artístico, mas no geral é bem parecido com o cristão católico.

Bancos de madeira assim como na igreja católica


Imagem que representa a Santa Ceia e, acima, a crucificação no estilo copta de arte


Mesmo com elementos árabes, a cruz define bem a religião cristã dos coptas


O mais incomum dentro da igreja é, sem dúvida, ter um carro blindado com uma metralhadora .50 apontada para a entrada. Do lado de fora, a rua também possui barreiras de concreto que evitam a aproximação de carros e há um posto de vigilância da polícia. Será que rola perseguição de cristãos por ali? Acho que não precisa responder.

Carro blindado fazendo a segurança dos fiéis coptas


GASTOS (agosto 2014)

Trem Leito Cairo-Aswan - U$100
Táxi para Philae + Represas - 150 EGP
Entrada na Represa Aswan Alta - 30 EGP
KFC - 41 EGP


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Sobre o autor

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Renan é carioca, mochileiro, historiador e arqueólogo. Gosta de viajar, fazer trilhas, academia, ler sobre a história do mundo e os mistérios da arqueologia, sempre comparando os lados opostos de cada teoria. Cada viagem que faz é fruto de muito planejamento e busca conhecer o máximo de lugares possíveis no curto período que tem disponível. Acredita que a história foi e continua sendo distorcida para beneficiar alguns grupos, e somente explorando a verdade oculta no passado é que se consegue montar o quebra-cabeça do mundo.