Egito: Nas areias distantes do Oásis de Siwa

Um canto do Egito que poucos estrangeiros conseguem chegar


Siwa é uma aldeia nascida próxima a um oásis de verdade, formado por uma depressão que o torna 19 metros abaixo do nível do mar. Estar em Siwa é estar mais perto da Líbia (50 km) do que do Cairo (560 km). Um lugar esquecido no deserto, principalmente pelo turismo, mas que também esconde segredos do passado egípcio.


COMO CHEGAR?

Viajei para Siwa a partir de Alexandria em um ônibus noturno da empresa West&Mid Delta que partiria às 22h00. Tentei comprar no guichê a passagem de volta para o Cairo e garantir que nada daria errado, mas não foi possível vender ali (somente em Siwa). Na noite do embarque, saí bem cedo do meu hotel em Alexandria para evitar ficar preso no trânsito complicado da cidade. 

Mais de 8 horas de viagem pelo deserto para chegar 


A empresa de ônibus pede para chegar 30 min antes da partida e lá estava eu na plataforma 42 esperando o ônibus para Siwa que atrasou 20 min. Depois de muito suor naquela noite quente e úmida, confusão entre passageiros e trânsito na saída da rodoviária, dormi a noite toda e acordei na chegada às 6h30 da manhã. 

Chegada no povoado de Siwa


No desembarque observei um cartaz com os seguintes horários de ônibus diários (todos passam pela cidade de Marsa Matrouh):
7h00 - Siwa x Alexandria - 45 EGP
10h00 - Siwa x Alexandria - 45 EGP
20h00 - Siwa x Cairo - 95 EGP
22h00 - Siwa x Alexandria - 55 EGP

Tentei comprar a passagem para o Cairo e já recebi a primeira notícia preocupante: o ônibus para o Cairo só voltaria a funcionar nos próximos dois meses. A solução talvez fosse retornar para Alexandria, mas até isso não se vende antecipado. Eu teria que voltar mais tarde


VIDA NO DESERTO

Ao contrário de qualquer outro lugar do Egito, os habitantes de Siwa ignoram a presença de turistas. Já achei bem estranho quando desembarquei do ônibus, havendo taxistas lá por perto, nenhum deles ofereceu seus serviços, nem da maneira chata de Luxor e nem da maneira que qualquer lugar do Brasil um taxista faria. Eles não parecem se importar muito com turistas por ali. Eu teria um tempo de paz no Egito.

Rua do mercado no centro de Siwa


Estar em Siwa era estar num Egito ainda não contaminado pela febre turística. Parecia que aquele lugar tinha parado no tempo. A rua do mercado era cercada de comércio, tudo muito simples como armazéns que vendiam de tudo, alfaiataria e coffee shops bem exóticos. 

A foto do dono na placa do coffee shop é para atrair ou assustar os clientes???


Quase não se vê mulher andando na rua, e quando aparece, usam um véu que cobre totalmente o rosto. Até as meninas usam roupas que cobrem todo o corpo, somente o rosto fica a mostra (normalmente, a menina só passa a cobrir o cabelo depois da menstruação). O islamismo naquele povoado é bem mais rígido e tradicional.

Um menino conduzindo uma mulher na carroça, provavelmente sua mãe que não pode dirigir


Meninas com roupas que cobrem até os cabelos


Cheguei em Siwa com a dica de me hospedar no Cleópatra Hotel. com preços que variam de 100 a 250 EGP o quarto duplo. Achei o hotel mas estava fechado. Bati várias vezes e nada, então voltei ao centro. Foi então que eu encontrei o Hotel Elkelany na rua do mercado. Entrei na recepção e o atendente estava dormindo no chão! Chamei e ele não acordava, cutuquei e também não acordava, fiquei uns 5 minutos tentando até ele acordar. A diária era de apenas 50 EGP um quarto duplo, fechei na hora!

Hotel Elkelany


O próximo passo era contratar um transporte para me levar até os meus objetivos em Siwa. Cheguei com a dica de que o caminho que eu queria fazer custava 35 EGP. Me preparei para a negociação com o taxista que, de cara, pediu apenas 30 EGP. Nem tive coragem de tentar baixar (sairia menos de R$ 10 para rodar por todos os sítios). Eu já estava gostando daquela "má vontade" do povo de Siwa.

Táxi-triciclo é econômico e leva bastante passageiro 


TEMPLO DO ORÁCULO

Meu primeiro destino eram as ruínas do templo do Oráculo de Siwa ou Oráculo de Amon. Apesar de não se ouvir falar dele atualmente, no passado era tão conhecido quanto o Oráculo de Delfos, na Grécia. Diz a lenda que Alexandre, o Grande, depois que conquistou o Egito ao enfrentar os Persas que ocupavam o território, se deslocou no deserto até Siwa para uma consulta. O Oráculo teria afirmado que ele, além de ser filho de Zeus, também era filho do deus egípcio Amon. Historiadores acreditam que essa história foi difundida para legitimar a autoridade dele (que era estrangeiro) sobre o Egito e contar com a aceitação popular.

As ruínas do Oráculo ficam a 3 km do centro de Siwa


 Vista de uma velha mesquita a partir do alto do templo


Os oráculos eram templos com sacerdotes videntes que recebiam a visita de pessoas em busca de respostas. No passado, até os grandes conquistadores recorriam ao oráculo para tomar a melhor decisão nos combates. No Egito, além de Siwa, há registro de oráculos em Heliópolis e Abydos. As consultas seriam feitas por intermédio de uma pessoa que levava as perguntas escritas e depositava no santuário. As respostas vinham da mesma forma para não atrapalhar a concentração dos sacerdotes.

Pessoas viajavam longas distância pelo deserto para uma consulta com o Oráculo


As paredes com relevos se encontram em péssimo estado de conservação


Vestígios da figura da deusa Sekhmet


Diz a lenda que duas sacerdotisas negras foram expulsas do Templo de Amon em Tebas (parte do complexo de Karnak, na atual Luxor), sendo abandonadas no deserto. Uma delas seguiu para a Grécia onde fundou o Templo de Dodona e a outra chegou até Siwa, criando o oráculo.

O pequeno templo (14 x 22 m) foi construído pelo faraó Amásis (570-525 a.C.)


Mantendo o costume de localizar os templos ao lado de um lago sagrado


O Oráculo fica numa posição elevada sobre o oásis


Uma coisa interessante que aconteceu comigo foi quando tentei comprar o ticket para ter acesso ao templo. A bilheteria é bem rústica, praticamente uma extensão da moradia do caseiro que toma conta das ruínas. Ele não tinha dinheiro para me dar troco. Foi então que o taxista, ao perceber isso, foi e pagou minha entrada. Demonstrou confiança e agiu sem querer nada em troca. O povo de Siwa ganhou ponto comigo.

Uma casinha de barro é a bilheteria em frente ao caminho do Oráculo


O templo possui uma das melhores vistas da paisagem do oáisis


O TEMPLO DE OM OBAIDAH

Algumas centenas de metros à frente estão as ruínas do Templo de Om Obaidah, dedicado ao culto do deus Amon. Havia ainda um caminho pavimentado que o ligava ao Templo do Oráculo (250 m em linha reta). O mais legal foi encontrar aquelas ruínas egípcias ali assim, sem ninguém tomando conta, sem cobrança de tickets, sem áreas delimitadas, toda ainda em fase de escavações. Fico imaginado como seria o passado de outros templos no Egito.

Os caminhos do oásis são repletos de árvores de tâmaras 


Foi construído no reinado de Nectanebo II (359-341 a.C.)


Escavações não concluídas até hoje


Existia um caminho de ligação até o Templo do Oráculo de Amon


A única parede do Templo de Amon que ainda permanece de pé 


Relevos egípcios do período greco-romano na era faraônica 


Uma coluna caída e com marcas de vandalismo antigo


Os relevos embaixo da coluna ficaram protegidos e estão mais preservados


BANHOS DA CLEÓPATRA

Apesar do nome, não existe fato comprovado que Cleópatra esteve ali. Sé temos registros dessa piscina através do historiador grego Herodoto: "águas ferventes à noite e agradáveis durante o dia". Essa piscina é, na verdade, uma fonte termal com temperatura à 29 C. 

Os banhos de Cleópatra são piscinas de águas transparentes e termais


É possível ver bolhas de ar saindo do fundo da piscina


A água é limpa para se banhar, mas um detalhe importante é que deve ser feito de roupa, principalmente as mulheres! O recomendado é levar uma roupa leve de manga (tipo dryfit) que cubra o corpo e não seja transparente, e usar top ou bermuda de lycra por baixo. Durante a Segunda Guerra, o oásis foi ocupado por tropas nazistas e os soldado alemães costumavam se banhar sem roupa nessas águas, arrumando encrenca com a cultura local.

Se banhar só se for de roupa, respeitando os costumes do lugar


A área possui um restaurante para quem deseja passar a tarde nas águas


Lojas de artesanato estão no local, como essa com o estranho espantalho com cabeça de boi


Existe uma "jacuzzi" do lado da piscina...


... mas acho que essa não é apropriada para o banho!


SHALI

De volta ao povoado de Siwa, faltava visitar o "cartão postal" do lugar, ou seja, a fortaleza de Shali, palavra que no idioma siwi significa "cidade". Foi uma fortaleza do século 13 construída para proteger os habitantes dos ataques dos beduínos do deserto. Suas paredes eram feitas de sal e argila e durante uma chuva que durou três dias, Shali começou a ruir. 

Para visitar Shali não tem controle nem bilheteria, basta subir


As ruínas da fortaleza se destacam no meio de Siwa


Na subida existe a entrada de uma mesquita que foi a única construção original de Shali reformada. No caminho também tem lojas de artesanato e tecidos, tudo bem original e diferente do encontrado no restante do Egito, vale a pena visitar quem deseja levar lembranças do país.

A seta indica a escada correta. A escada da direita leva a porta da mesquita


As paredes foram feitas com argila e sal


Um labirinto de paredes em ruínas


O povoado cresceu ao redor da antiga da fortificação


Um dia aquilo já foi uma cidade fortificada


Vista do povoado de Siwa


As ruínas são hoje um mirante da região


Shali possui uma das melhores vistas do oásis


PARTIDA PARA O CAIRO

Depois de explorar os principais pontos arqueológicos, seria a hora de começar a me preocupar com o retorno que não era fácil. Entrei num escritório de informações turísticas (fica ao lado da "rodoviária") para perguntar se havia um jeito alternativo de se chegar ao Cairo. Descobri que eu teria que me deslocar para a cidade de Marsa Matrouh que seria mais fácil conseguir chegar na capital.

Na praça principal, próximo a este mapa, saem vans com destino a Marsa Matrouh


Na praça principal de Siwa, ao lado da mesquita, existe um ponto de vans que fazem o traslado até a cidade de Marsa Matrouh. Não tem horário certo, as vans saem a medida que vão lotando. A viagem dura cerca de 3 horas e custa 30 EGP. Para chegar no Cairo seria uma aventura, então peguei logo a minha mochila no hotel e fiquei esperando dentro da van.

Esperei dentro da van até lotar


Demorou um pouco para lotar a van. Durante minha espera observei um idoso sem as duas mãos ali por perto, provavelmente roubou algo ao longo da vida e foi justiçado de acordo com as leis islâmicas. A van partiu lotada, com apenas uma mulher viajando sozinha. A van seguia parando nos diversos bloqueios militares pelo caminho para checar a documentação dos passageiros, foi então que percebi que ninguém cobrava a identidade da mulher, ela provavelmente não tinha. Em alguns lugares de cultura islâmica, as mulheres são tidas como propriedade do marido, não possuem identidade como cidadãs.

Postos de bloqueio militar no meio das estradas do deserto


Ao chegar em Marsa Matrouh, o desembarque ocorre num ponto de vans que possui WC e outras vans saindo para diversos destinos. Com certeza já tem uma saindo para o Cairo. De lá, são mais de 5 horas até a capital do Egito que era meu próximo destino.


MAPA DE SIWA



CUSTOS (agosto 2014)

- Passagem Alexandria x Siwa -55 EGP
- Hospedagem no Hotel Elkelany (quarto 2 pessoas) - 50 EGP
- Café da manhã - 10 EGP
- Táxi para as atrações - 30 EGP
- Entrada no Templo do Oráculo - 30 EGP
- 2 águas 1,5 L - 5 EGP
- Van para Marsa Matrouh - 30 EGP
- Taxa de bagagem - 5 EGP
- Batata Palha + água - 11 EGP
- Van para o Cairo - 65 EGP


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Sobre o autor

Sobre o autor
Renan é carioca, mochileiro, historiador e arqueólogo. Gosta de viajar, fazer trilhas, academia, ler sobre a história do mundo e os mistérios da arqueologia, sempre comparando os lados opostos de cada teoria. Cada viagem que faz é fruto de muito planejamento e busca conhecer o máximo de lugares possíveis no curto período que tem disponível. Acredita que a história foi e continua sendo distorcida para beneficiar alguns grupos, e somente explorando a verdade oculta no passado é que se consegue montar o quebra-cabeça do mundo.